P. Abel Bandeira sj
VER: https://pontosj.pt/
Ilustração de Mário Linhares
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NOS
PASSOS DE INÁCIO - I Fazer-se
peregrino
24 Julho 2018
O P. Abel
Bandeira sj peregrinou 26 dias, de Loiola até Manresa, pelos passos de S.
Inácio. Na semana anterior à festa do fundador da Companhia (dia 31), um
episódio diário desta história vivida a quatro pés e contada a quatro mãos.
Abel caminhou de Loiola até Manresa.
No dia 3 de maio, pegou na mochila, com meia dúzia de coisas essenciais, e
fez-se à estrada pelo país basco. Fez-se peregrino. Em estado de pobreza total,
sem comida nem dinheiro, nem “lugar onde reclinar a cabeça”, como diz Jesus no
Evangelho. Apenas confiado na Providência. A mesma que o fez entrar na
Companhia de Jesus em 1986 e que o conduziu à ordenação sacerdotal em 1998.
Vinte anos depois de ser ordenado sacerdote, o P. Abel Bandeira sj quis
percorrer o mesmo caminho feito por Santo Inácio de Loiola, fundador dos
jesuítas, no século XVI. Uma oportunidade que não teve no tempo do noviciado,
onde os noviços fazem uma peregrinação de 15 dias – a chamada prova da
peregrinação -, mas cuja ideia nunca lhe saiu da cabeça.
O sonho desta peregrinação foi sendo
adiado ao longo dos anos. O regresso a Portugal, depois de seis anos de missão
em Moçambique, onde foi pároco e mestre de noviços, e um período sabático deram
o mote para recuperar este desejo e levá-lo à prática. Já com 55 anos, Abel
conservava o fascínio pelas caminhadas pela Europa e pela Terra Santa feitas
por Inácio de Loiola. Aquele que se chamava a si próprio “peregrino” percorreu
milhares e milhares de quilómetros a pé para conhecer e dar a conhecer Deus, o
que lhe valeu o apelido de “louco de amor por Jesus Cristo”.
Mas há um caminho que se destacou
entre todos os outros – o que liga Loiola e Mansera -, pois, mais do que um
percurso exterior, marcou um intenso e profundo caminho interior. Depois de ter
sido gravemente ferido numa batalha e no rescaldo de um longo período de
convalescença, o guerreiro Inácio deixou a vida militar e saiu da sua cidade natal
de Loiola em direção à Terra Santa. Convertido e confiado a Deus, quis conhecer
os lugares sagrados e ver, com os seus próprios olhos, onde Jesus nascera,
vivera, pregara e morrera. Em Monserrate, já na Catalunha, Inácio entregou a
sua espada, e mais à frente, em Manresa receberia aquela que ficaria conhecida
como a “visão do Cardoner”. Uma experiência mística que mudaria para sempre a
sua visão das coisas e do modo como Deus está presente no mundo e que
conduziria, anos mais tarde, à fundação da Companhia de Jesus. Aí terá começado
também a escrever os Exercícios Espirituais, modelo de oração que incutiu nos
jesuítas e tem marcado milhares de pessoas ao longo dos séculos.
Mais de 600 quilómetros separam
estas duas cidades de Espanha, e Abel quis percorrê-los como o fundador dos
jesuítas o fez. Da forma mais parecida possível: quis ver o que Inácio viu,
sentir o que Inácio sentiu, caminhar pelos seus passos. Deixando-se apanhar
pela surpresa de Deus e dos outros. E de Deus nos outros.
A história que agora se apresenta
parte daí, deste percurso de 26 dias, marcado pela oração, a entrega, o
acolhimento das graças e provações que Deus lhe ia enviando, mas também o
sofrimento e o cansaço. Ao longo de oito dias, a começar hoje e a terminar no
dia de Santo Inácio, na próxima terça-feira, 31, relataremos sete histórias que
marcaram profundamente o P. Abel Bandeira nesta sua peregrinação. Episódios e
pensamentos que brotaram da sua experiência pessoal e que, “por tanto bem
recebido”, ficam agora ao dispor de todos.
“Nos passos de Inácio” não será,
contudo, o relato de uma caminhada física nem tão pouco de um percurso
interior, pois sabe Deus se este percurso espiritual não começou bem antes de
Loiola, e não continuou para além de Manresa. Além disso, quem escreve um
conto, acrescenta um ponto, e esta não será uma história narrada na primeira
pessoa. Apesar de ter sido partilhada de viva voz pelo seu protagonista, o P.
Abel Bandeira sj, foi escrita por uma segunda pessoa, a Rita Carvalho, que, por
sua vez, a recontou a uma terceira, ao Mário Linhares, que desenhou as
ilustrações.
Será, assim, uma história percorrida
e vivida a quatro pés (Inácio e Abel), narrada a quatro mãos (Rita e Mário).
Para ser meditada e inspiradora para muitos mais.
Aprender a perd
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NOS PASSOS DE INÁCIO -II Aprender a
perder
25 Julho 2018
O primeiro ensinamento desta caminhada feita pelo P.
Abel Bandeira sj, de Loiola a Manresa, seguindo os passos de S. Inácio de
Loiola, aconteceu logo ao segundo dia. Deus disse-me: "perdeste tudo mas
eu vou dar-te alguma coisa". Assim foi.
Abel comprou umas sapatilhas na Decathlon antes de se fazer ao caminho. E
estas rapidamente se transformaram no primeiro mensageiro divino, um verdadeiro
veículo do qual Deus se serviu para lhe enviar recados. No primeiro dia de
caminhada, Abel subiu a montanha, desceu a montanha e chegou a Aranzazu, onde
se localiza o Santuário de Nossa Senhora de Aranzazu, erguido depois de aí ter
sido encontrada uma imagem da Virgem entre os espinhos, e onde Inácio fez a sua
primeira paragem depois de sair de casa, em Loiola.
Ao caminhar em terreno lamacento e cheio de água, Abel tinha as sapatilhas
encharcadas quando chegou ao fim da primeira etapa. Exausto, depois de caminhar
37 quilómetros, aceitou boleia nos últimos 500 metros, até ao local onde se ia
hospedar. No dia seguinte, voltou a cruzar-se com o homem que lhe dera a boleia
e que acabou também por lhe oferecer o almoço. Enquanto tomava esta refeição, a
irmã do dono da pensão, colocou as sapatilhas junto a uma salamandra, na
esperança de que secassem com o calor… mas estas, num instante, começaram a arder.
A generosidade dos
jovens
NOS PASSOS DE INÁCIO - III
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NOS
PASSOS DE INÁCIO - III A
generosidade dos jovens
26 Julho 2018
O lugar para
dormir, a boleia na hora certa e a dica preciosa que garantiu uma boa noite de
sono. Foi dos jovens que Abel, nesta caminhada entre Loiola e Manresa, recebeu
maiores gestos de caridade. Porque sem medo e preconceitos confiaram.
Quando se
viaja confiado na Providência, é certo que Deus colocará no caminho alguém para
nos acudir. Mas nesta viagem de Abel por terras espanholas, seguindo os passos
de Santo Inácio entre Loiola e Manresa, o jesuíta sentiu-se particularmente
tocado pelos jovens. Foram eles, relata, que, “vendo um
humilde peregrino a necessitar de ajuda, não tiveram preconceitos nem medo,
confiaram”.
Apenas três
exemplos dessa generosidade.
Ao chegar de
noite a uma povoação, o P. Abel aproximou-se de um grupo de jovens que estava
sentado num café, perguntando-lhes por um sítio para dormir. Uns indicaram os
bancos dispostos na praça, outros não deram troco à conversa, mas um deles
sentiu-se interpelado pelo peregrino e respondeu: “Vou-te
deixar dormir no meu carro”. Raul, era o seu nome, levou-o até ao local onde estacionara o seu veículo
desportivo e, num gesto de total confiança, indicou-lhe o banco da frente ao
lado do condutor para descansar. Exausto, Abel alegrou-se com a oferta e
enfiou-se no saco de cama pronto para dormir. Mas não passaram dez minutos até
Raul voltar atrás. Tinha uma proposta ainda melhor para lhe oferecer: deixá-lo
passar a noite numa casa, uma espécie de clube onde os jovens se reuniam à
noite para conviver.
O jesuíta
aceitou e assim que os rapazes deixaram o espaço, como combinado pelas 23.00,
deitou-se e dormiu profundamente. “Fiquei tão agradecido que no dia
seguinte escrevi-lhe uma carta e fui entregar à casa onde ele me dissera que
morava. Fui recebido pela sua avó”, relata Abel, acrescentando que a atitude do jovem
também emocionou a sua família.
Outra
história, vivida uns dias depois, foi uma nova prova de que os mais novos são,
por vezes, os mais capazes de confiar. Apesar das marcas a assinalar o caminho,
e do guia que levava consigo, Abel perdeu-se. Percorreu zonas de montanha e
searas até chegar a uma falésia, junto à linha do comboio, uma espécie de beco
sem saída. Foi então obrigado a percorrer 30 metros entre silvas e canaviais. “Levava
a mochila a abrir caminho, era a minha espada. Mas saí de lá em sangue, parecia
um flagelado”, recorda.
No final deste calvário, encontrou três jovens que pescavam tranquilamente no
Rio Ebro, com os quais trocou algumas informações sobre o caminho a tomar e os
15 quilómetros que ainda tinha de percorrer até chegar à povoação. Cansado e
dorido, o jesuíta seguiu viagem, mas dez minutos à frente foi surpreendido por
dois dos três jovens que tinham pegado no carro e agora se ofereciam para o
levar ao seu destino. “Tiveram compaixão de mim e vieram oferecer-me boleia,
deixando-me à porta da igreja da localidade para onde ia”.
O último
episódio destacado pelo P. Abel como exemplo da generosidade dos jovens começou
com uma rejeição que depois abriu portas a uma doação. O peregrino pelos passos
de Inácio tinha chegado a Montserrat mas o alojamento possível tinha um custo
de 6 euros, o que o obrigou a ter de pedir dinheiro à porta do hotel. Foi de
imediato expulso do local pelo jovem que estava na receção, até de forma rude.
Mas foi o mesmo rapaz que, depois, saiu do hotel, mostrou-lhe um mapa e deu-lhe
uma dica preciosa: se subisse até à ermida no cimo do monte, encontraria um
local para ficar. Foi o que fez. A muito custo, caminhou durante meia hora a
subir escadas, até chegar a uma pequena casa onde antigamente os monges
passavam meses em solidão e que funciona agora como ponto de apoio para quem
faz escalada na região. Um rapaz tomava conta desse espaço e, apesar de lhe ter
pedido 5 euros pelo alojamento, Abel conseguiu pernoitar no espaço sem qualquer
custo. “Ainda me fritou uma fatia de pão com azeite e queijo,
que foi o meu jantar. Parecia que estava no céu”, recorda o padre jesuíta, agradecido.
E eu, que capacidade tenho de
acolher e confiar no que é diferente e desconhecido?
Acolhimento e rejeição
NOS PASSOS DE INÁCIO IV
·
NOS
PASSOS DE INÁCIO IV Acolhimento
e rejeição
27 Julho 2018
Poderá a
verdadeira e pura alegria surgir de uma negação e rejeição? À partida parece
difícil e Abel bem sentiu a dureza do não. Mas, recordando-se de Francisco de
Assis, conseguiu transformá-lo em amor. Mesmo depois de um grande susto.
“Não te vou
ajudar.” Foi
uma frase curta e dura e que ao início causou muita mossa pois Abel não estava
à espera de a escutar de um irmão sacerdote. Tinha acabado de chegar a uma
localidade e, como sempre, procurou apoio junto da Igreja local. Encontrou o
Padre A. numa esplanada, depois de o ter procurado em casa, e quando lhe pediu
um sítio para dormir, para comer e tomar banho, a resposta foi
fulminante: “Não te vou ajudar“. O peregrino nem conseguiu escutar os fundamentos da
rejeição, tão atordoado ficou com a resposta. Acima de tudo, ficou magoado.
Lembrou-se então de um episódio da
história de São Francisco de Assis e do ensinamento que este deu a Frei Leão
sobre a origem da verdadeira alegria. Quando os dois frades caminhavam,
Francisco explicou ao companheiro que se batessem à porta de um convento para
pedir abrigo e lhes recusassem ajuda, e, mesmo assim, não sentissem raiva com
essa rejeição, esse seria o exponente máximo da alegria que alguém poderia
alcançar. “Imprimi esse texto de São Francisco, fotocopiei o meu
cartão de cidadão e o cartão de sacerdote e escrevi ao Padre A., deixando a
carta debaixo da porta. Escrevi-lhe dizendo que nunca me tinha sentido tão
humilhado na vida, mas agradeci-lhe o facto de me ter dado a possibilidade de
ser rejeitado em nome de Jesus. Fiquei contente porque ele humilhou-me e eu
respondi com amor e caridade”.
Foram muitos dias de acolhimento e
poucos de rejeição, sublinha Abel, que, ao longo da sua peregrinação de 26 dias
entre Loiola e Manresa, contactou com 17 padres e foi sempre bem recebido pelos
sítios onde andou. Passou por várias casas jesuítas e por muitas paróquias, mas
ainda assim teve de dormir sem ser debaixo de um tecto por sete vezes,
substituindo a cama por uns fardos de palha ou o quarto por uma casa
abandonada.
Mas o dia em que foi verdadeiramente
rejeitado acabou mal. E Abel sabe que poderia ter acabado de forma ainda pior,
trágica. Já noite dentro, sem conseguir encontrar um lugar para descansar, o
peregrino sentia-se tão cansado que dormiu dentro de um caixote do lixo. Estava
frio e Abel temia adoecer se ficasse ao relento. Procurou um caixote cujos
sacos não estavam sujos, fez uma cama com papelão onde se conseguiu enfiar e aí
ficou dentro do saco de cama. Dormiu “bem”, garante, embora seja difícil
imaginar o que isso significa, ainda mais depois de um dia a caminhar muitos
quilómetros.
Mas foi sobressaltado às cinco da
manhã. Era a hora da recolha do lixo e o caixote onde se encontrava foi içado e
despejado dentro do camião. Assustado, Abel começou a gritar e o motorista da
viatura que acompanhava a manobra através de uma câmara, apercebeu-se de algo
estranho e parou a máquina de imediato, não sem antes esta engolir os pertences
do peregrino.
Abel não ganhou para o susto. Apesar
de não se ter magoado, a operação foi de tal forma complexa que, ainda de
madrugada, foi preciso chamar a polícia, os bombeiros e os paramédicos, bem
como as entidades locais. “Só pedi que não deixassem vir os jornalistas”. Não por si, afirma, mas por eles
próprios. “Seria uma vergonha para eles, enquanto povo, que a
história fosse relatada. Um povo que não é capaz de acolher um peregrino…”
E eu, sei lidar com a rejeição, transformando-a numa
oportunidade para amar?de cada dia
- NOS
PASSOS DE INÁCIO V O pão nosso de cada dia
28
Julho 2018
Peregrinar confiado na Providência é garantir o pão nosso
de cada dia. Foi essa a experiência do P. Abel Bandeira sj que caminhou de
Loiola até Manresa, ao longo de 26 dias, sem nunca lhe faltar nada.
O pão nosso de cada
dia. Este trecho da oração do Pai nosso ganhou um significado especial para
Abel nesta peregrinação entre Loiola e Manresa. Ao caminhar 26 dias em pobreza
total, sem dinheiro, comida, nem sítio para dormir, apenas vivendo daquilo que
pedia e do que os que com ele se cruzavam lhe davam, o peregrino jesuíta
sentiu-se completamente entregue à Providência. E, apesar de algumas
peripécias, garante que nunca lhe faltou nada. “Todos os dias
comi, nunca passei fome”, afirma. E bem ou mal instalado, encontrou
sempre um local para passar a noite.
Mesmo no dia em que
pensou que ia ficar sem alimento, Deus encarregou-se de lhe fazer chegar algo
para comer. Ia a caminho de Manresa, quase na parte final da peregrinação, e já
sentia um aperto no estômago, quando viu um saco de pão torrado colocado em
cima de uma pedra. Ali, assim, do nada. Pegou nele, comeu-o, e numa oração de
ação de graças, reconheceu: “Foi como se Deus me tivesse dito:
‘bem sei do que tu precisas'”.
Ao longo desta
caminhada de 600 quilómetros, num trajeto físico mas também interior, o padre
jesuíta reconhece que teve dificuldades em manter um ritmo exaustivo e regular
de oração. “Tentei rezar alguns textos e fazer os exercícios
espirituais. Mas por vezes o cansaço era tanto que se tornava impossível”. Contudo
o sacerdote jesuíta explica que teve oportunidade de fazer uma oração diferente
da habitual. “Aprendi a ver Deus na criação”, ali tão
presente nos campos do vale do Ebro, um dos mais férteis do mundo, nos milhares
de hectares de trigo, de árvores de fruto e de vinha que iam compondo a
paisagem. “Vi a providência de Deus a trabalhar, 24 sobre 24
horas, como se Deus me dissesse: ‘o pão que vais comer amanhã já eu to estou a
preparar hoje, pois quero dar-te o pão nosso a cada dia'”.
Tal como o cego de
nascença que, no Evangelho de São João, vai à piscina de Siloé lavar-se e
começa a ver, também o P. Abel Bandeira, padre já há 20 anos, sentiu que este
caminho lhe permitiu começar a olhar as coisas de forma diferente. “Eu fui,
lavei-me e fiquei a ver”, disse o cego depois de ter feito o que Jesus lhe
dissera.“Assim se passou comigo. Comecei a ver coisas novas, a
providência de Deus. Fiquei com mais fé”, afirma Abel, garantindo que
esta confiança tornou-o até uma pessoa menos ansiosa e mais confiante.
E eu, consigo reconhecer e agradecer o pão que me é
dado a cada dia?
NOS PASSOS DE INÁCIO VI Uma oração pelo mundo
Um
29
Julho 2018
Caminhar aprendendo o valor da oração de intercessão.
Abrir-se ao mundo, através das súplicas que recordam tantas necessidades.
Deixar cair as pedras para erguer as mãos a Deus. Foi também esta a experiência
do P. Abel, como Inácio.
“Se estamos todos
com as mãos cheias de pedras, a atirar uns aos outros, quem pode levantar as mãos ao céu para rezar a
Deus?” Esta foi uma
interrogação que fez caminho com Abel, que foi meditando sobre os problemas e
dramas do mundo ao mesmo tempo que percorria montes e vales rumo a Manresa. A
oração é uma arma poderosa, relembra, citando Bento XVI que a
classificava como mais forte do que as bombas, por isso o sacerdote jesuíta
passou grande parte do tempo a rezar.
Caminhava e rezava.
Não só através de uma oração abstrata ou contemplativa, mas também com preces
concretas, lembrando pessoas específicas e intenções pontuais. De terço na mão,
orava pelos que se iam cruzando com ele na estrada, o acolhiam à chegada às
povoações, pelos que lhe pediram orações, pela Igreja universal e pela
Companhia de Jesus. Orava pelo mundo.
“Rezei muito pela
Terra Santa“, partilha o P. Abel Bandeira, recordando que foi com
o propósito de chegar a esse local sagrado que Inácio saiu de casa, em Loiola,
e se fez ao caminho, chegando até Manresa. Nos dias em que o sacerdote
peregrinava, a terra por onde andou Jesus voltava a ser notícia nos telejornais
e palco de violência e morte, depois de o presidente dos Estados Unidos ter
anunciado que iria mudar a localização da embaixada americana de Telavive para
Jerusalém. Também sobre isso Abel rezou, pedindo a intervenção de Deus para
ajudar a sarar um conflito antigo mas que parece não ter fim. “É
preciso acreditar que este mundo que Deus criou para nós pode ser reparado”.
A esta intenção
concreta da Terra Santa, o jesuíta juntou muitas outras, relacionadas com a atual
situação social e política – desde a Coreia do Norte, à Síria ou outros locais
marcados pela opressão e a guerra – , e “num mundo que parece não ter
solução”. Mas Deus, afirma Abel, quer a nossa oração de intercessão e
de reparação, “quer que hoje alguém levante os braços ao céu e
diga ‘Senhor, tem piedade de nós’. Foi isso que tentei fazer nesta
peregrinação”. Mas voltando ao início deste relato, por vezes
parecemos demasiado concentrados em ocupar as mãos com pedras, em vez de as
juntarmos e virarmos para Deus.
Tenho
o mundo e as suas necessidades presentes na minha oração?
Sacrifícios de
um caminho orante
- NOS
PASSOS DE INÁCIO VII Sacrifícios de um caminho
orante
30 Julho 2018
Foi um sacrifício físico grande percorrer 650 quilómetros
entre Loiola e Manresa, nem sempre nas melhores condições, mas também uma
exigência interior. O peregrino Abel Bandeira sj diz que nada foi em vão. Foi
uma entrega por amor a Deus.
Foram 650 quilómetros
em 26 dias. Nesta peregrinação de Loiola até Manresa, pelo interior de Espanha
seguindo os passos de Santo Inácio de Loiola (fundador da Companhia de Jesus,
cuja festa se celebra amanhã), Abel reconhece que houve uma dose forte de
sacrifício. Um esforço físico que nem sempre foi fácil de superar para o corpo
mas que também exigiu muito da mente e da alma.
Foram muitas horas a
andar, por vezes em condições difíceis, debaixo de chuva ou de sol, por entre
as silvas, ou até mesmo sem sapatos, como aconteceu logo nos primeiros dias
quando o peregrino ficou sem sandálias e teve de caminhar descalço durante
cinco horas. “Sentia as pedras, sentia os picos nos pés.
Escorreguei, caí na lama e levantei-me. Tinha de continuar”, conta
o sacerdote jesuíta, de 55 anos, reconhecendo, contudo, que as dores e o
cansaço não deixaram mazelas de maior.
O embate físico foi
logo no primeiro dia, quando Abel fez quase 38 quilómetros só numa etapa,
subindo a montanha e descendo-a pelo outro lado. “Sentia-me esgotado.
À entrada do Santuário (de Nossa Senhora de Aranzazu) ia caindo de cansaço. Se
não fosse um senhor dar-me um sumo de laranja, não tinha aguentado”,
recorda, agora já com a clareza que um olhar à distância de dois meses sobre os
acontecimentos impõe. Mas porquê este sacrifício, questiona em voz alta, tal
como se questionaram os que com ele se cruzaram pela estrada e puderam
testemunhar a dureza desta missão. Nada disto foi em vão, diz convictamente.
Não foi um sacrifício sem sentido. “Fiz esta caminhada por
amor. Entreguei-me a Deus na minha pobreza e quis oferecer a Deus as minhas
dores e dificuldades para que, com isso, Ele pudesse espalhar graças por outras
pessoas”, garante o P. Abel Bandeira.
Foi uma oração de
reparação e intercessão, explica o jesuíta. Um caminho orante ou uma oração em
caminho, através da qual o peregrino quis “dar a vida para que
o mundo ficasse um pouco melhor”. Nesta atitude de oração
profunda, o P. Abel Bandeira identificou-se com o sofrimento do próprio
Jesus. “Para percebermos o que Cristo sentiu, temos de andar
nos passos dele. E eu identifiquei-me com o Cristo que sofreu. É o mistério do
sacrifício, dar a vida de forma diferente. O sacrifício faz parte da vida”.
E eu, consigo confiar as minhas dores e dificuldades a
Deus?
Descobrir
Inácio de Loiola
- NOS PASSOS DE INÁCIO VIII Descobrir Inácio de
Loiola
31 Julho 2018
No dia em que se assinala a festa de Santo Inácio, termina
este relato da peregrinação do P. Abel Bandeira sj, que percorreu os passos do
fundador dos jesuítas entre Loiola e Manresa. Um caminho sofrido mas de uma
enorme consolação.
Descobrir Inácio de
Loiola. A grande motivação da peregrinação do P. Abel Bandeira passou por aqui.
No ano em que celebra 20 anos da sua ordenação sacerdotal, o jesuíta recuperou
um sonho antigo e quis percorrer os caminhos outrora percorridos pelo seu “pai
espiritual”, quando deixou a terra natal, Loiola, para caminhar até à Terra
Santa, totalmente convertido a Deus.
“Quis
sentir o que ele sentiu, perceber porque se enamorou de Cristo ao ponto de sair
de casa com vestes mundanas e o coração centrado n’Ele”, confessa o jesuíta que, aos 55 anos, mantem o
fascínio por Inácio peregrino e pelos milhares de quilómetros que percorreu.
Não abundam as marcas inacianas ao longo deste trajeto, embora a paisagem rural
se mantenha em grande parte do caminho, ajudando a imaginação a recuar ao
século XVI. Mas o peregrino Abel viveu com emoção a passagem por Montserrat,
onde Inácio deixou a espada e o punhal junto a uma imagem de Nossa Senhora e
deu as suas vestes a um pobre, passando a trajar-se como um humilde peregrino.
Pelo caminho, Abel foi
relendo a autobiografia do fundador da Companhia de Jesus, e sentindo como seus
os espaços por onde foi passando. “Tocou-me muito passar no
convento/hospital de Santa Luzia onde Inácio teve um êxtase de oito dias. E
onde rezava e escrevia”, comenta Abel. Ou passar em Pedrola, terra
onde Inácio teve um desentendimento com um mouro mas foi capaz de vencer o ódio
com a caridade; ou ainda, por exemplo, visitar a Igreja de Santa Maria del Mar,
já em Barcelona, onde Inácio pedia esmola.
Apesar de o desejo de
Inácio ter sido chegar aos locais onde Jesus passara e vivera, na Terra Santa,
– onde só chegaria anos mais tarde – foi em Manresa que o antigo guerreiro teve
a experiência espiritual e mística mais marcante da sua vida. A chamada “visão
do Cardoner” mudaria para sempre a sua visão das coisas e do modo como Deus
está presente no mundo e conduziria, anos mais tarde, à fundação da Companhia
de Jesus. Aí terá começado também a escrever os Exercícios Espirituais.
Abel caminhou um dia
de cada vez, devagar, sem pressas nem ânsias de chegar. Mas confessa que ao
final do dia alcançava sempre a consolação de vencer mais uma etapa. A chegada
ao destino, em Manresa, 650 quilómetros depois de se ter feito ao caminho,
teve, por isso, um gosto especial. “Até psicologicamente”,
reconhece, “sentir que aos 55 anos consegui fazer uma coisa
difícil ajudou-me bastante”. Espiritualmente, Abel sentiu uma
enorme consolação e diz que só tem que agradecer a experiência que lhe foi dado
viver. Tal como o cego que Jesus mandou lavar-se na piscina de Siloé, – e que
no final disse “fui, lavei-me e comecei a ver” –
também Abel reconhece a mudança que esta peregrinação operou na sua vida. “Rezei
muito e comecei a ver melhor Deus na minha vida. Mudei a minha relação com Inácio
e continuarei sempre à procura do que Deus quer que eu faça”.
Qual o traço de Santo Inácio que mais me inspira e
interpela como cristão?