Jo 20,19-31 «Muitos outros sinais miraculosos realizou ainda
Jesus, na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro» (Jo
20, 30). O Evangelho é o livro da misericórdia de Deus, que havemos de ler e
reler, porque tudo o que Jesus disse e fez é expressão da misericórdia do Pai.
Nem tudo, porém, foi escrito; o Evangelho da misericórdia permanece um livro
aberto, onde se há-de continuar a escrever os sinais dos discípulos de Cristo,
gestos concretos de amor, que são o melhor testemunho da misericórdia. Todos
somos chamados a tornar-nos escritores viventes do Evangelho, portadores da Boa
Nova a cada homem e mulher de hoje. Podemos fazê-lo praticando as obras
corporais e espirituais de misericórdia, que são o estilo de vida do cristão.
Através destes gestos simples e vigorosos, mesmo se por vezes invisíveis,
podemos visitar aqueles que passam necessidade, levando a ternura e a
consolação de Deus. Deste modo damos continuidade ao que fez Jesus no dia de
Páscoa, quando derramou, nos corações assustados dos discípulos, a misericórdia
do Pai, o Espírito Santo que perdoa os pecados e dá a alegria.
Mas,
na narração que ouvimos, aparece um contraste evidente: por um lado, temos o
medo dos discípulos, que fecham as portas da casa; por outro, temos a missão,
por parte de Jesus, que os envia ao mundo para levarem o anúncio do perdão. O
mesmo contraste pode verificar-se também em nós: uma luta interior entre o
fechamento do coração e a chamada do amor para abrir as portas fechadas e sair
de nós mesmos. Cristo, que por amor entrou nas portas fechadas do pecado, da
morte e da mansão dos mortos, deseja entrar também em cada um para abrir de par
em par as portas fechadas do coração. Ele que venceu, com a ressurreição, o
medo e o temor que nos algemam, quer escancarar as nossas portas fechadas e
enviar-nos. A estrada que o Mestre ressuscitado nos aponta é estrada de sentido
único, segue-se apenas numa direção: sair de nós mesmos, para testemunhar a
força sanadora do amor que nos conquistou. Muitas vezes vemos, diante de nós,
uma humanidade ferida e assustada, que tem as cicatrizes do sofrimento e da
incerteza. Hoje, face ao seu doloroso clamor de misericórdia e paz, ouçamos
dirigido a cada um de nós o convite confiado de Jesus: «Assim como o Pai Me
enviou, também Eu vos envio a vós (Jo 20, 21).
Cada
doença pode encontrar na misericórdia de Deus um auxílio eficaz. Com efeito, a
sua misericórdia não se detém à distância: quer vir ao encontro de todas as
pobrezas e libertar de tantas formas de escravidão que afligem o nosso mundo.
Quer alcançar as feridas de cada um, para medicá-las. Ser apóstolos de
misericórdia significa tocar e acariciar as suas chagas, presentes hoje também
no corpo e na alma de muitos dos seus irmãos e irmãs. Ao cuidar destas chagas,
professamos Jesus, tornamo-Lo presente e vivo; permitimos a outros que palpem a
sua misericórdia, e O reconheçam «Senhor e Deus» (cf. Jo 20, 28), como fez o
apóstolo Tomé. Eis a missão que nos é confiada. Inúmeras pessoas pedem para ser
escutadas e compreendidas. O Evangelho da misericórdia, que se deve anunciar e
escrever na vida, procura pessoas com o coração paciente e aberto, «bons
samaritanos» que conhecem a compaixão e o silêncio perante o mistério do irmão
e da irmã; pede servos generosos e alegres, que amam gratuitamente sem nada
pretender em troca.
«A
paz esteja convosco!» (Jo 20, 21): é a saudação que Cristo leva aos seus
discípulos; é a mesma paz que esperam os homens do nosso tempo. Não é uma paz
negociada, nem a suspensão de algo errado: é a sua paz, a paz que brota do
coração do Ressuscitado, a paz que venceu o pecado, a morte e o medo. É a paz
que não divide, mas une; é a paz que não deixa sozinhos, mas faz-nos sentir
acolhidos e amados; é a paz que sobrevive no sofrimento e faz florescer a
esperança. Esta paz, como no dia de Páscoa, nasce e renasce sempre do perdão de
Deus, que tira a ansiedade do coração. Ser portadora da sua paz: esta é a
missão confiada à Igreja no dia de Páscoa. Nascemos em Cristo como instrumentos
de reconciliação, para levar a todos o perdão do Pai, para revelar o seu rosto
de amor nos sinais da misericórdia.