O
mistério da Páscoa que estamos a celebrar constitui a
maior festa do calendário cristão, pois situa-nos no centro da
existência humana, da sua beleza e maravilhosa capacidade; das suas
fragilidades e dramas; dos seus sonhos e esperanças. Por isso, não se refere
apenas ao Domingo de Páscoa. Começa precisamente com a celebração do dom do
pão-amor de Deus oferecido e partilhado, na última ceia de Jesus com os
discípulos (ao cair da Quinta-feira), aprofunda-se no drama do seu sofrimento e
morte (na Sexta-feira) e revela-se, como destino final e pleno, na ressurreição
(noite de Sábado e Domingo).
Para falar de ressurreição e vida
há que assumir o drama do sofrimento e da morte.
Iludidos por aplicações informáticas que fazem tudo e no momento, e por
promessas populistas e ilusórias de sucesso e felicidade sem custo nem
dor, esquecemo-nos, por vezes, que o sofrimento e o esforço fazem parte do
nascer e desenvolver da felicidade e da vida; que a luta é parte da vitória;
que o aprender exige esforço e disciplina; que o amor tem a atração fascinante
do namoro, mas requer perseverança, paciência e perdão; que acabar com a
injustiça e corrupção pode custar ódios e vinganças fatais; que enfrentar
ideologias e ditadores, gananciosos e fanáticos, pode levar facilmente a
perseguição, tortura e morte.
Há sofrimentos inscritos na
fragilidade do nosso ser humano e do seu ambiente,
como os desastres naturais, a doença, as dificuldades de relações importantes.
Há sofrimentos malditos, da parte dos que os causam e infligem, na exploração,
na injustiça, na violência e na guerra, que levam à destruição e à morte. Mas,
todos eles, podem ser redentores para aqueles que os percorrem e deles
beneficiam, como caminhos de fidelidade, coerência, liberdade, amor e fé.
Foi
assim que Jesus viveu a Sua vida. Passou pela morte e chegou à ressurreição que
celebramos na Páscoa.
Ele não apostou nos jogos do
sucesso fácil, da ilusão, do poder dominador, do lucro ganancioso, da
violência destruidora, claramente mortais e geradores de morte.
Também não
virou a cara para o lado, não se resignou nem acobardou diante
da miséria, da injustiça, da violência dos dominadores e causadores de
sofrimento e de morte.
Assumiu todos os nossos dramas: os que
vêm da natureza frágil do mundo e do nosso ser, bem como dos muitos outros que
criamos com o nosso egoísmo, ganância e injustiça.
Abriu, através deles, um caminho
novo de transformação deste mundo e de abertura a outros horizontes
que, para saciarem a nossa sede de felicidade e de vida, têm de ser de um Ser
Novo e um Mundo Novo, em Deus.
O
sofrimento e a morte de Jesus são revelação e parte da mesma medalha da
ressurreição, do amor poderoso e libertador de Deus. A sua condenação injusta,
a tortura a que foi submetido e a morte infligida mostram a sua liberdade, a
sua fidelidade e coerência, e sobretudo o seu amor inquebrantável a Deus,
Senhor da Vida, e a toda a humanidade frágil. Esse sofrimento e essa morte são
parte da ressurreição transformadora do próprio Jesus e do mundo.
Para
não estragar a festa, não cedamos à tentação de colocar cortinas brancas e
floridas a tapar as feridas ainda abertas dos incêndios do
Verão, dos que não têm abrigo, pão e emprego; das crianças famintas e
bombardeadas da Síria e das esquecidas e frustradas no mundo; das nossas
eventuais crises de família, de doença, de abandono e solidão; das nossas
incapacidades políticas e sociais para criar um mundo mais justo e fraterno;
das nossas resistências a dar vida a uma Igreja mais materna, carinhosa e
aberta às dores e fragilidades de quem precisa…
Nisso,
e através
disso, há-de passar a Páscoa: como libertação de todas as
escravidões, a começar pela do egoísmo e isolamento pessoal; como gosto de
semear e ajudar a crescer e partilhar; como alegria de abraçar, reconciliar e
acender sorrisos e esperanças; como carinho de cuidar de fragilidades e
levantar de quedas; como coragem de denunciar injustiças e construir
entendimentos e paz… como confiança de confiar num Deus Poderoso pelo seu amor
e carinho de Pai, sem o qual não há felicidade consistente, alegria que dure,
morte como caminho de acesso à Vida.
A TODOS DESEJO
BOAS FESTAS DE PÁSCOA
DA MORTE E RESSURREIÇÃO DO SENHOR!
BOAS FESTAS DE PÁSCOA
DA MORTE E RESSURREIÇÃO DO SENHOR!
+ José Ornelas Carvalho
Bispo de Setúbal
Bispo de Setúbal