Lc 18,9-14 O Evangelho deste XXX domingo do tempo comum (ano c) define a
atitude correcta que o crente deve assumir diante de Deus. Recusa a atitude dos
orgulhosos e auto-suficientes, convencidos de que a salvação é o resultado
natural dos seus méritos; e propõe a atitude humilde de um pecador, que se
apresenta diante de Deus de mãos vazias, mas disposto a acolher o dom de Deus.
É essa atitude de “pobre” que Lucas propõe aos crentes do seu tempo e de todos
os tempos. No fariseu e no publicano da parábola, Lucas põe em confronto dois
tipos de atitude face a Deus. O fariseu é o modelo de um homem irrepreensível
face à Lei, que cumpre todas as regras e leva uma vida íntegra. Ele está
consciente de que ninguém o pode acusar de cometer acções injustas, nem contra
Deus, nem contra os irmãos (e, aparentemente, é verdade, pois a parábola não
nos diz que ele estivesse a mentir). Evidentemente, está contente (e tinha
razões para isso) por não ser como esse publicano que também está no Templo: os
fariseus tinham consciência da sua superioridade moral e religiosa, sobretudo
em relação aos pecadores notórios (como é o caso deste publicano). O publicano
é o modelo do pecador. Explora os pobres, pratica injustiças, trafica com a
miséria e não cumpre as obras da Lei. Ele tem, aliás, consciência da sua
indignidade, pois a sua oração consiste apenas em pedir: “meu Deus, tende
compaixão de mim que sou pecador”. O comentário final de Jesus sugere que o
publicano se reconciliou com Deus (a expressão utilizada é “desceu justificado
para sua casa” – o que nos leva à doutrina paulina da justificação: apesar de o
homem viver mergulhado no pecado, Deus, na sua misericórdia infinita e sem que
o homem tenha méritos, salva-o). Porquê? O problema do fariseu é que pensa ganhar
a salvação com o seu próprio esforço. Para ele, a salvação não é um dom de
Deus, mas uma conquista do homem; se o homem levar uma vida irrepreensível,
Deus não terá outro remédio senão salvá-lo. Ele está convencido de que Deus lhe
deve a salvação pelo seu bom comportamento, como se Deus fosse apenas um
contabilista que toma nota das acções do homem e, no fim, lhe paga em
consequência. Ele está cheio de auto-suficiência: não espera nada de Deus, pois
– pensa ele – os seus créditos são suficientes para se salvar. Por outro lado,
essa auto-suficiência leva-o, também, ao desprezo por aqueles que não são como
ele; considera-se “à parte”, “separado”, como se entre ele e o pecador
existisse uma barreira… É meio caminho andado para, em nome de Deus, criar
segregação e exclusão: é aí que leva a religião dos “méritos”. O publicano, ao
contrário, apoia-se apenas em Deus e não nos seus méritos (que, aliás, não
existem). Ele apresenta-se diante de Deus de mãos vazias e sem quaisquer
pretensões; entrega-se apenas nas mãos de Deus e pede-Lhe compaixão… E Deus
“justifica-o” – isto é, derrama sobre ele a sua graça e salva-o – precisamente
porque ele não tem o coração cheio de auto-suficiência e está disposto a
aceitar a salvação que Deus quer oferecer a todos os homens. Esta parábola,
destinada a “alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros”, sugere
que esses que se presumem de justos estão, às vezes, muito longe de Deus e da
salvação.